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quinta-feira, 15 de julho de 2010

DUAS BOLAS, POR FAVOR - por Danuza Leão








Não há nada que me deixe mais frustrada do que pedir sorvete de sobremesa,
contar os minutos até ele chegar e aí ver o garçom colocar na minha frente
 uma bolinha minúscula do meu sorvete preferido.
Uma só.
Quanto mais sofisticado o restaurante, menor a porção da sobremesa.
Aí a vontade que dá é de passar numa loja de conveniência,
 comprar um litro de sorvete bem cremoso
 e saborear em casa com direito a repetir quantas vezes a gente quiser,
 sem pensar em calorias,
boas maneiras ou moderação.
O sorvete é só um exemplo do que tem sido nosso cotidiano.
A vida anda cheia de meias porções,
 de prazeres meia-boca, de aventuras pela metade.
A gente sai pra jantar, mas come pouco.
Vai à festa de casamento, mas resiste aos bombons.
conquista a chamada liberdade sexual,
mas tem que fingir que é difícil (a imensa maioria das mulheres continua com pavor de ser rotulada de 'fácil').
Adora tomar um banho demorado,
 mas se contém pra não desperdiçar os recursos do planeta./
Tem vontade de ficar em casa vendo um dvd,
 esparramada no sofá, mas se obriga a ir malhar./
E por aí vai.
Tantos deveres, tanta preocupação em 'acertar',
tanto empenho em passar na vida sem pegar recuperação...
Aí a vida vai ficando sem tempero, politicamente correta
 e existencialmente sem-graça,
 enquanto a gente vai ficando melancolicamente sem tesão...
Às vezes dá vontade de fazer tudo “errado”.
Deixar de lado a régua, o compasso, a bússola,
 a balança e os 10 mandamentos.
Ser ridícula, inadequada,
incoerente e não estar nem aí pro que dizem e o que pensam a nosso respeito.
Recusar prazeres incompletos e meias porções.
Nós, que não aspiramos à santidade e estamos aqui de passagem, podemos
 (devemos?) desejar várias bolas de sorvete,
bombons de muitos sabores, vários beijos bem dados,
 a água batendo sem pressa no corpo, o coração saciado.
Um dia a gente cria juízo.


Um dia...


Não tem que ser agora.
Por isso, garçom, por favor, me traga:
cinco bolas de sorvete de chocolate...


Depois a gente vê como é que faz pra consertar o estrago.